quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Discurso de Formatura

Depois de 4 anos bateu a nostalgia misturada com a saudade. Ao participar semana passada de mais uma formatura no STBNe, descobrir que sair do seminário em 2008, mas o seminário não saiu mais de mim. Gostaria de compartilhar meu discurso de formatura que tive o prazer de ser o orador e representar essa turma fantástica. Um xero no S2
 
 
Feira de Santana – 26 de julho de 2008. STBNe – Discurso de Formatura. Turma 2008.1

Magnífico Reitor Dr. Ágabo Borges; Ilustríssima paraninfa da turma professora Erika Marques; Ilustríssimo professor homenageado Mestre Antonio Monteiro; Ilustríssimos professores e professoras do curso de Teologia; funcionários e funcionárias desta casa; familiares; amigos e amigas; igrejas aqui representadas; pastores e pastoras presentes, queridas e queridos colegas, BOM DIA!

Gostaria de agradecer aos meus colegas de turma que me escolheram para representá-los nesse momento tão sublime de nossas vidas. Colegas, por melhor que seja o discurso ele deixa lacunas. Sendo assim, tentarei contemplar nessa alocução os sentimentos da turma mesmo sabendo que toda preleção não tem condições de abarcar tudo, pois cada pessoa tem sua história, subjetividade e, portanto, compreende o mundo a partir de suas experiências. Mesmo convivendo por esses “longos” quatro anos e meio, tivemos experiências que somente cada um pôde apreciar. Procurarei tocar nos pontos comuns aos formandos.

Sei que o momento é aguardado com muita expectativa por parte dos ouvintes. Muitos esperam ouvir um discurso eloquente e intelectualizado, embora não tenha preparado nada formal para a ocasião, pois prefiro fazer desse momento um tempo de rememorar nossas experiências acadêmicas e comunitárias. Que por sinal não foram poucas! Até porque não encontrei motivos suficientes para fazer de outra forma. O seminário foi o lugar onde aprendemos que somos gente, seres humanos normais que devem buscar a cada dia melhorar essa condição. O seminário também nos ajudou a conhecer o outro e a nós mesmos com maestria. Meus amigos e irmãos, a busca por esse conhecimento deve continuar ao sairmos pelo portão do seminário.

O instante ao qual chegamos nesta hora é decisivo. Diante de nossos olhos são edificados alguns dos pilares-base de nossas vidas. O passado e o futuro se reúnem para trazer à memória momentos pontuais e significativos bem como para nos conduzir à projeção do que nos espera. Em fevereiro de 2004 essas pessoas maravilhosas que hoje concluem seus compromissos com o STBNe, (exceto nosso querido Djalma que vem lutando há mais tempo que os outros), deram início à execução de seus sonhos. O chamado de Deus para cumprir mais uma etapa de nossas vidas estava apenas começando. Nossa caminhada em nossas respectivas igrejas estava chegando ao fim e, a jornada seminarial descortinando os seus horizontes.

Bem, gente! O primeiro ano no seminário é muito interessante. Tudo é uma festa. Chegamos aqui sabendo de tudo. Têm até aqueles que acham que só precisam do diploma, queremos ensinar os professores a darem suas aulas. Afinal de contas nos destacamos em nossas comunidades como conhecedores da Bíblia e como bons pregadores (COISA DE CALOURO). Contudo, no decorrer dos dias vamos percebendo que o nosso conhecimento não é definitivo, resultando assim na chamada crise, que a partir de então se tornaria a palavra de ordem. No segundo ano voltamos desertados e agora o que queremos é nos afirmar como veteranos e sustentar a nossa imagem à custa dos calouros. Pensamos em mudar o mundo com nossas ideias o mais rápido possível! O terceiro ano é o momento de questionar a tudo e a todos. O rosto de cada seminarista se parece com uma interrogação. É também nesse tempo que aprendemos que nos ensinam a criticar e depois somos criticados por criticar. Contudo, a partir do quarto ano, o cenário vai mudando, parece que a ficha caiu e descobrimos que não viveríamos apenas de perguntas, mas sim também de respostas, pois seremos cobrados! Parece que quando chegamos ao final a nossa preocupação maior está no campo da geografia, aquelas coisas de lugar e espaço... (para onde vou). Finalmente estamos aqui, diferentes de como chegamos, pelo menos é o que esperamos. Esses anos serviram para nos aperfeiçoar; sermos mais tolerantes, amáveis, compreensivos, prestativos aos nossos semelhantes. Sem dúvida alguma a vivencia seminarial deixou marcas indeléveis em nossas vidas.

Nessa caminhada Deus nos presenteou com pessoas maravilhosas, que diante de todas as dificuldades que lhes são impostas, souberam doar-se para que nós pudéssemos desenvolver nossa capacidade de aprendizado. Nossos professores e mestres, cada um com suas peculiaridades, nos mostraram como proceder diante dos desafios acadêmicos. O contato com o universo teológico gerou em nós o fenômeno do “Numinoso”, bem elaborado por Rudolf Otto, ao mesmo tempo em que nos encantava nos amedrontava pela vastidão de conhecimento. A vivência com nossos mestres nos provaram que a teologia não é engessada, não é fria, não possui apenas uma via, portanto, existem várias possibilidades de se fazer uma teologia relevante para as Igrejas e consequentemente para a humanidade. Por fim, aprendemos como lidar com as pessoas, tratá-las como sujeitos de sua construção histórica, ouvir e entender seus dilemas e limitações.

Para toda essa formação, contamos com excelentes professores e professoras que pediram mais quando achávamos que não tínhamos mais nada a oferecer; que fomentaram discussões; que nos encaminhou pelo extraordinário mundo das Escrituras Sagradas; que por vezes nos lançaram em profundas crises existenciais. Somos eternamente gratos aos nossos mestres pela grande contribuição de nos levar a uma vida menos escura, despertando em nós dúvidas e inquietações que nos levantam novas probabilidades e desafios.

Concluída essa etapa seminarial temos diante de nós o mundo, a comunidade e/ou o campo missionário, onde deveremos realizar uma práxis cristã engajada na vida concreta. Até porque as ferramentas para a execução desta tarefa já nos foi entregue durante o período de estudo acadêmico. Vale lembrar que para exercermos nossos ministérios não deverá existir antagonismo entre a teologia e a atividade pastoral. Porque nem todo teólogo é pastor, mas todo pastor deve ser teólogo.

É na elaboração teológica que deveremos criar condições de mudanças do status quo na comunidade em que estivermos servindo. Saber olhar a realidade é um desafio para cada um de nós. Depois de analisar essa realidade devemos viver a ética cristã, pois como diz o sociólogo francês Edgar Morin: “Todo olhar sobre a ética deve perceber que o ato moral é um ato individual de religação; religação com um outro, religação com uma comunidade, religação com uma sociedade e, no limite, religação com a espécie humana.” Eu acrescento aqui a religação com Deus.

O sucesso do nosso ministério dependerá de como nos comportaremos frente à dura realidade que cerca a maioria das pessoas. E por falar em sucesso, não deveremos nos esquecer de que a maior glória para uma pessoa é ela se parecer com Cristo. Vale ressaltar que um ministério bem sucedido nunca será sinônimo de um carro novo, bom salário, fama, poder, Igreja superlotada, dentre outra coisas, mas sim, de uma vida de serviço ao próximo pautada no amor de Deus.  Serviço ao outro só se faz com o outro. É conhecendo a alteridade e sua história que desempenharemos o nosso papel de discípulos e discípulas de Cristo. É no caminho que vemos e sentimos as necessidades das pessoas. É na beira do caminho que estão caídas as pessoas assaltadas pelas injustiças da vida. Para entender o ser humano, o “ser-aí”, o filosofo alemão Heidegger precisou decompor o cotidiano e apertar a mão do camponês da Floresta Negra.

Deveremos dar nossa contribuição para que aconteça a humanização do humano, como sugere o mestre Marcos Monteiro. A Igreja precisa de pastores e pastoras sensíveis às necessidades integrais das pessoas, que compreendam como escreveu Drummond a respeito do grande Albert Schweitzer, que “não é bastante ouvir Bach, para elevar o espírito. Não é bastante estudar filosofia, para compreender a vida. Nem é bastante o diploma de Medicina, para cuidar dos doentes... pois é preciso colocar a música, a filosofia e a medicina na mala e partir para onde o caboclo, o índio, o pária vivem sua morte à espera da morte definitiva, e viver e morrer com eles”. Ou seja, o nosso desafio é que estejamos prontos para colocar a teologia na mala (como bagagem necessária) e entrar na vida concreta das comunidades. Participar de suas dores e lutas; comemorar suas vitórias e conquistas... rir e chorar com (e como) pessoa de verdade.

Como nossa meta é se parecer com o mestre Jesus, não poderemos nos calar diante das injustiças e descasos para com o oprimido. Não hesitaremos em apresentar o Evangelho de Cristo onde as pessoas têm sua dignidade roubada (também seu dinheiro) por pseudocrístãos que vendem a Palavra de Deus fazendo do outro uma mercadoria e do sagrado um objeto de consumo. Não é possível que o choro de uma criança vítima da pobreza, o odor de corpos mutilados, o som de barrigas roncando, as lágrimas que rolam na face de uma mãe que perdeu seu filho na violência cotidiana, e muitos outros descalabros sejam situações normais para uma sociedade. Não pode ser! Jesus nos mostrou que não. Concordamos com o pensamento do Dr. Benedito Bezerra quando ele diz: “Um dos grandes desafios nesse mundo, é o de manter-se fiel à vocação recebida. O objetivo de todo líder evangélico deverá ser, ao final de seu ministério pessoal, poder olhar para trás e dizer: combati o bom combate, cheguei ao final de minha carreira, guardei a fé” (2 Tm 4.7).

Sei que apenas estamos começando, mas é importante mantermos os olhos fixos em nosso ministério, em nossa vocação, ao tempo em que conseguimos obter uma visão ampla da realidade ao nosso redor: eis o desafio que se impõe não só aos presentes formandos, mas a todo líder evangélico. Acreditando que a Igreja cristã tem um papel fundamental na construção de um novo mundo, onde todos sejam respeitados e tenham o direito de viver com dignidade. Essa mudança terá como base a ética cristã. Cristo é o modelo e único formador para um mundo com possibilidade de vida plena. Para o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, “a igreja não é uma comunidade religiosa de admiradores de Cristo, mas o Cristo que tomou forma entre os seres humanos.” O não reconhecimento dessa premissa leva a inúmeros erros e consequentemente a injustiças que são praticadas contra as pessoas.

 Amados irmãos e irmãs, qual será a nossa base para vencer esses desafios? A única resposta plausível que se encontra é em Jesus Cristo. Apenas vivendo a esperança do estabelecimento do Reino de Deus entre nós. Viver como o grande pastor Martin Luther King Jr que dizia: I have a dream – eu tenho um sonho. Sonho de um mundo onde não haja desigualdades e nem discriminação. É sonhar com um Brasil livre das mazelas que tanto lhe adoece. É na utopia, o não lugar, que encontraremos a força para prosseguir sempre em frente, ou como diz o apóstolo Paulo: “prosseguir para o alvo”. É fazendo da vida uma poesia, ainda que muitas vezes com lágrimas, mas nunca perdendo a ternura. “Não deixar-se vencer do mal, mas vencer o mal pelo bem”.

Gostaria de concluir esse momento lhe convidando a pensar em uma parte da bela poesia escrita pelo extraordinário teólogo, Rev. João Dias de Araújo, que colocou sua mão no arado e jamais olhou para trás:

 

Que estou fazendo se sou cristão? Se cristo deu-me total perdão?

Há muitos pobres sem lar, sem pão. Há muitas vidas sem salvação.

Meu Cristo veio pra nos remir: o homem todo sem dividir.

Não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar.

Que estou fazendo se sou cristão?

 
Muito obrigado!

Fábio Porto