segunda-feira, 28 de março de 2011

Um brasileiro nascido na Bélgica

Joseph Comblin que preferiu ser chamado de José pelos brasileiros e carinhosamente padre Zé pelos pobres e leigos que tiveram o privilégio de sua presença e compartilharam ensinamentos para a construção de um mundo menos injusto, ou como ele mesmo dizia: “um mundo que faz referência ao Reino de Deus”.
Ontem pela manhã o mundo perdeu não somente um teólogo, mas um discípulo comprometido com a vida, e essa vida, tendo como base o seguimento de Jesus. Nasceu em Bruxelas no dia 22 de março de 1923. Foi ordenado sacerdote em 1947. Desde então construiu uma teologia que tem marcado os caminhos daqueles que desejam ser parecidos com o Cristo de Deus. Sua biografia é cheia de tensões e serenidades. Foi expulso e acolhido em países da America Latina. Lecionou em muitas universidades e seminários, entretanto, seu maior interesse era a formação de pessoas simples, as quais são vítimas desse sistema injusto, tanto na religião como na economia.
Comblin, foi um dos mais importantes e polêmicos teóricos da Teologia da Libertação. Polêmico apenas para aqueles que não refletem o seu papel cristão e trabalham para manter, às vezes inconscientemente, uma religião opressora e descompromissada com o povo. No entanto, para os leigos e pobres, os que entenderam a Teologia da Enxada, ele foi tão claro e transparente como as águas dos riachos teimosos do nordeste brasileiro que insistem em jorrar para promover a vida.
É complicado definir esse grande homem em palavras. Porém, é fácil observar sua vida e vê quem era esse diferente sacerdote que a Igreja queria abafar a voz. Sabemos que agora ele será homenageado e reconhecido, pois temos esse grande defeito, somente depois da morte damos valor a quem tem valor. Diante de tão grandiosa vida fiquei sem saber o que falar da sua biografia. Por algumas vezes tive a oportunidade de passar um final de semana entre pessoas simples do interior da Paraíba tendo o padre Zé como um facilitador e mestre para a reflexão teológica. Um doutor que preferia ensinar os leigos ao invés de estar em alguns seminários que, segundo ele, não tem compromisso com o Reino de Deus e sim com o sistema capitalista. Por conta dos meus encontros com Comblin, o pastor Marcos Monteiro, (brincando ou será que foi sério?) falou que não posso morrer de qualquer jeito. Ele tem razão! Quem conviveu ou teve momentos com esse Zé não tem como achar que as coisas são assim mesmo. Que a injustiça é normal e a tradição é incólume, mas devemos pensar o contrário, que a Palavra de Deus, Jesus Cristo, é o único seguimento que temos para uma transformação social e religiosa.
O legado de Comblin é incomensurável. Muitos livros e palavras de transformação e de conhecimento sobre quem de fato é Jesus. Em um dos seus livros ele disse que no mundo atual precisamos ser capazes de expressar o que Jesus veio trazer ao mundo. “Se ele veio convocar a humanidade para seguir o seu caminho, importa – em primeiro lugar – saber exatamente qual é esse caminho que devemos seguir e mostrar. A religião virá depois, de acordo com a cultura de cada povo”. Ainda disse mais:

“O profeta é a pessoa que ainda tem fé quando a fé de todos enfraqueceu”. 

José Comblin, 88 anos de serviço e dedicação aos povos da América Latina. Que sua vida e ensinamentos possam inspirar teólogos e teólogas, leigos e leigas, ou melhor, discípulos e discípulas de Cristo para a continuidade da luta contra a pobreza e o enfraquecimento espiritual que o mundo sem Deus vem mantendo ao longo da história.
Fábio Porto

terça-feira, 22 de março de 2011

Outono


Ciclo, novo, caminhar,

amarelar, cair, soprar.

Teimosia, vida, brisas, andar,

mar revolto, devolução, renovar.

E a vida continua,

tanto no boreal, quanto no austral,

folhas amarelas, corações frios,

tapetes de folhagens ressequidas.

Entre o quente e o frio: Outono...

em qualquer estação, a arte de amar.



Fábio Porto

terça-feira, 15 de março de 2011

O inferno da indiferença

Estamos vivendo uma apatia coletiva mundial no que diz respeito à valorização, importância e cuidado para com o nosso semelhante. Na sociedade brasileira percebemos o reflexo desse caos global que mina as bases que sustentam a vida.
Os diversos setores estão infectados pela indiferença que é regada pelo acúmulo de riquezas e bens. Quem ainda se lembra da nossa Amazônia que está morrendo por causa da ação de pessoas que visam apenas lucros? Desmatamento, poluição da água e do ar. A violência urbana deixando um rastro de sangue que acaba sendo normal por acontecer todos os dias. Quem ainda se lembra de João Helio, o índio pataxó Galdino, a empregada doméstica Shirley? Todos foram vítimas da violência. Será que alguém ainda se lembra dos milhões que são distribuídos nas cuecas, meias, malas, jatinhos? O pior é que alguns ainda buscam o respaldo de Deus fazendo orações de gratidão pela facilidade com que conseguiram lesar os cofres públicos. Políticos que renunciam ao mandato para não serem caçados por seus atos de corrupção, sendo beneficiados por essa lei injusta, retornam ao poder pelo voto do povo. É impressionante a capacidade que esses bandidos têm e continuam a melhorar no quesito roubalheira, ou melhor, improbidade administrativa pra ser politicamente correto.
Mesmo não sendo um ano eleitoral, nossos ouvidos devem ser preparados para ouvir as mesmas ladainhas de sempre, a fim de que possamos discernir os políticos sérios, que são poucos, dos corruptos que não merecem ser chamados de políticos, mas, infelizmente, são esses que engrossam as filas do congresso nacional.
Enquanto os brasileiros não tomarem consciência de que são cidadãos e não servos, perpetuaremos esse modo de vida político e social que não respeita a alteridade. Pelo contrário, esse modelo de gestão está a serviço desse capitalismo neoliberal que apenas se sustenta em cima de corpos mutilados que sangram suas misérias diuturnamente.
Os políticos precisam do povo para receber seus salários. Pagamos impostos que não são revestidos para o bem da sociedade e sim, para sustento desses corruptos que não estão nem um pouco interessados em ver um país mais justo e igualitário com uma equidade na distribuição de renda.
Precisamos ser proativos no que diz respeito ao bem comum de nossa sociedade e do mundo. Não podemos continuar vivendo essa apatia que está encalacrada na alma dos cidadãos que pensam ser esta a única realidade que poderemos vivenciar. São necessárias atitudes que reflitam a indignação da população junto aos poderes executivos, legislativos e judiciários do nosso país. São nessas instâncias que são tomadas decisões que deveriam ser justas e, que de fato mostrassem que o Brasil é um país de todos.
Por sermos um país democrático temos, dentre muitas ferramentas, o VOTO, que deve punir e execrar esses políticos deletérios dos nossos municípios, estados e da nossa pátria amada Brasil. Não podemos nos esquecer que a corrupção a nível nacional é apenas um reflexo da corrupção local que enfraquece os pilares da democracia.
Chega de crianças que além de não terem acesso a uma educação de qualidade, são vitimas de violências que marcam profundamente aqueles que não serão o futuro, pois já são o presente dessa realidade imunda que assola a dignidade desses infantes. As drogas estão tomando conta da nossa juventude que não tem mais sonhos e, sim, vivem dopadas pelo ópio que paralisa e enfraquecessem a força do nosso país. Uma nação onde foi obrigada a criação de um estatuto para proteger os idosos atesta o seu estado incompetente e doentio.
Diante dessa triste realidade brasileira e mundial, temos que admitir que somos culpados por nossa apatia e descaso para com essa situação que beira a insanidade coletiva. É sabido que algumas vozes não se calaram e nem se venderam nesse sistema cruel e injusto. Portanto, é imprescindível que nos juntemos a essas vozes e formemos um grande coral onde a única música a ser cantada seja o som da justiça, da paz, da fraternidade, da solidariedade e, acima de tudo, do amor.
                            Fábio Porto

segunda-feira, 7 de março de 2011

Mulher...


O dia nacional da mulher tem raízes na história e especialmente no dia 08 de março que é marcado por sentimentos variados e até mesmo antagônicos. Esse é um dia de comemoração pelo reconhecimento das mulheres na sociedade, mas também é um dia de luto pelas trabalhadoras assassinadas e por todas aquelas que deram suas vidas na luta pela fraternidade e equidade.
No ano 1857, operárias têxteis de Nova York foram às ruas para reivindicarem melhores condições de trabalho e redução na carga horária que era de 16 horas por dia. Essas operárias, que recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram trancadas no interior da fábrica que foi incendiada pelos patrões. Essa funesta atitude desses criminosos deixou aproximadamente 129 corpos de mulheres carbonizados.
Em 1908, mais de 14 mil mulheres marcharam nas ruas de Nova Iorque reivindicando o mesmo que as operárias no ano de 1857, bem como o direito de voto. Caminhavam com o slogan "Pão e Rosas", em que o pão simbolizava a estabilidade econômica e as rosas uma melhor qualidade de vida.
O ano de 1910, foi marcado por uma Conferência Internacional de Mulheres realizada na Dinamarca, onde foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 8 de Março como "Dia Internacional da Mulher".
Foi no dia 30 de abril que nasceu a fundadora do Conselho Nacional das Mulheres, Sra. Jerônima Mesquita. Como homenagem àquela extraordinária mulher, grande filantropa, foi escolhido o dia de seu nascimento para se comemorar o Dia Nacional da Mulher sob a égide da Lei Nº 6.791 - 09/06/1980.
Derrubaram-se tabus, obstáculos foram vencidos, a ocupação dos espaços foi iniciada. Graças à coragem de muitas, as mulheres conquistaram o direito ao voto, colocação profissional, independência financeira e liberdade sexual. Apesar de válidas, essas aberturas ainda são uma gota num oceano de injustiças e preconceitos. Prova da necessidade de maior reconhecimento da mulher é a própria institucionalização de uma data-homenagem; se a sociedade efetivamente tivesse incorporado a idéia de que os dois sexos estão em pé de igualdade, não haveria necessidade de se criar um dia para lembrá-la; seria uma atitude inútil e redundante.
            Vale lembrar que essas conquistas não encerram a questão da discriminação da mulher. Infelizmente o pensamento misógino, machista e inconseqüente ainda está presente na vida de muitas pessoas. Portanto, é mister que os discípulos e discípulas de Cristo ergam suas vozes contra esse modelo que tenta desfigurar a imagem e semelhança de Deus, mostrando que de acordo com a Palavra de Jesus Cristo: somos todos iguais. Louvado seja Deus pelas mulheres e por tudo que elas representam para o mundo.
            Louvamos a Deus pelas Marias, Anas, Joanas e todas que mostram com suas vidas que poderemos construir um mundo diferente, onde não haja discriminação, violência, ódio e tudo aquilo que descaracteriza o ser humano. Que o choro das mães seja apenas de alegria por segurarem em suas mãos o fruto que foi gerado pelo amor. Mulher, mãe, irmã, amiga, namorada, esposa... Expressões do amor de Deus.
            Difícil é definir uma mulher em palavras, mas fácil é perceber seu valor diante da vida. Assim, as mulheres dignas de ontem vivem e viverão hoje e amanhã como mulheres de energia, de ideais, de influência, de execução, de capacidade e consagração. Deus abençoe cada uma.

“Uma mulher exemplar... Reveste-se de força e dignidade; Fala com sabedoria e ensina com amor”. Pv 31:1;25-26
Gostaria de terminar essa reflexão fazendo menção da belíssima canção desses poetas, Milton Nascimento e Fernando Brant, que conseguiram colocar nessa música a realidade e a vida das mulheres:

Maria, Maria, é um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta
Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas agüenta

Mas é preciso ter força,
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria

Mas é preciso ter manha,
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida.

Que Deus abençoe todas as mulheres... Parabéns!!!

terça-feira, 1 de março de 2011

Teólogo “universal” e teólogo “específico”

Com todas as reviravoltas e mudança no fazer e no saber sobre o conhecimento, o mundo mudou e seguiu uma lógica que parece não ter lógica. Houve um período na história que se buscava nos “detentores” do conhecimento uma postural universal, ou seja, eles deveriam abarcar no seu discurso e no seu saber o que era justo e verdadeiro para todas as pessoas. Gostaríamos de pensar analogicamente a partir da análise que Michael Foucault faz em relação ao intelectual universal e o intelectual específico. A partir da segunda grande guerra mundial esse panorama foi alterado. O mundo passou a identificar melhor a postura do teólogo específico por conta dos rumos que a humanidade tomou depois desse evento que se configurou como uma amostra do que é usar o poder e o saber.

A interferência mais direta na política e no poder a partir dos saberes localizados ou específicos como a biologia, a física, a química, a teologia, dentre outros, impulsionou o surgimento e a valorização dos conhecimentos específicos, colocando ou devolvendo desta forma o poder e o saber nas diversas camadas da sociedade e/ou da humanidade. Para Foucault “a figura em que se concentram as funções e os prestígios deste novo intelectual não é mais a do ‘escritor genial’, mas a do ‘cientista absoluto’”; não mais aquele que empunha sozinho os valores de todos, que se opõe ao soberano ou aos governantes injustos e faz ouvir o seu grito até na imortalidade; é aquele que detém, com alguns outros, ao serviço do estado ou contra ele, poderes que podem favorecer ou matar definitivamente a vida. Não precisamos mais dos que falam apenas da eternidade, mas sim, daqueles que criem ou fomentem estratégias para a dignidade da vida e até mesmo da morte.

O teólogo universal é aquele que se arvora a falar como representante da verdade e da justiça, sendo ele, uma espécie de consciência de todos. Essa idéia oriunda da parte ruim do marxismo pretende fazer do teólogo universal, através do seu posicionamento moral, espiritual, político, teórico, um detentor desta universalidade que ele pensa englobar em sua teologia e práxis. Alguns, ainda que nostalgicamente, querem a volta ou o aparecimento dos grandes teólogos universais para regerem nosso estilo de vida, dizendo eles faltar uma visão de mundo ou uma grande teologia hodierna. Entretanto, vivemos um momento em que o papel do teólogo específico deve ser reelaborado, visto que, o caminho na qual o mundo percorre é mais propício ao um melhor desenvolvimento específico do que universal.

Diante das circunstâncias sociais o papel do teólogo especifico deve se tornar cada vez mais importante. Na medida em que, quer queira ou não ele deve assumir responsabilidades políticas, sociais, culturais. O teólogo universal não se compromete diretamente com a situação, pois ele fica longe dos acontecimentos que ele apenas pensa e formula teorias para regulamentar determinada situação. Em outras palavras, o seu engajamento com a vida concreta não é percebida porque enquanto ele apenas teoriza sobre a vida, ela continua a ser vivida ou morrida por aquele que são vitimas ou vilões desse sistema cruel que degenera a vida.

É importante deixar claro que o nosso objetivo não é acabar com o passado e muito menos ser um iconoclasta, o que queremos é chamar a atenção para uma realidade que exige o específico e não o universal. O trabalho do teólogo específico é ajudar a desmascarar um poder que domina não apenas pela força, mas pela absolvição do seu regime pelos habitantes de um lócus social. O não envolvimento do teólogo com essas pessoas resulta na manutenção desse status quo (religioso, político, social, econômico) que visivelmente contribui para a destruição da vida em todas as suas possibilidades.

Podemos suspeitar que o motivo para o não envolvimento por parte de muitos teólogos com as coisas específicas, ou seja, com a vida concreta dos seres humanos e de toda a criação, é devido ao medo da perseguição que o teólogo específico terá sobre si devido o poder de denúncia que estará em suas mãos, não mais em função de seu discurso geral e sim, por conta das denúncias que ele trará de uma realidade concreta que não agüenta mais o despotismo, os variados abusos e a arrogância da riqueza.

Enfim, a religião, a política, a economia, a ciência e no limite a sociedade, não precisam mais de detentores das verdades universais, pois eles não se envolvem com as questões práticas da vida mesmo que pensando e formulando teses sobre ela. É importante o surgimento e o fortalecimento do teólogo específico que sabe que sua construção do pensamento e sua prática não devem ser longe da vida e de tudo que promova e afirme a dignidade humana. Com ele deve existir a criação de novos valores respaldados por um novo jeito de teologar e, essa nova forma de se fazer teologia deve criar e fomentar valores que estejam em consonância com o corpo, com a vida, com a terra e com Deus.

Fábio Porto