terça-feira, 9 de setembro de 2014

de Tragédias e Colcha de retalhos

 
 
Nossa vida é composta de momentos. Na falta de adjetivos chamaremos esses fragmentos de retalhos bons e ruins.
 
Minha saudosa bisavó Dona Raimunda, carinhosamente chamada de “mãe véia”, tinha uma prática de colocar com maestria uma linha pelo buraco da agulha e em seguida, com a paciência de um artesão, construir uma colcha de retalhos. Recordo-me das noites em que fui aquecido pela obra de arte de suas mãos.
 
Ela com uma sacola cheia de retalhos separava cuidadosamente os pedaços de pano, de várias cores, tipos de tecidos e tamanhos disformes, para que no final tivéssemos o resultado do que na sua mente já existia.
 
Ao observar uma colcha de retalho penso na vida. Bom seria se aprendêssemos a tecer os retalhos com a paciência e sabedoria que a própria vida nos pede. Fragmentos de retalhos são os acontecimentos que nos acompanham desde o nosso nascimento. Por isso precisamos de sensibilidade para perceber os contrastes que serão bonitos apenas ao final, pois estarão ao lado de outros retalhos da vida compondo a beleza da existência.
 
É preciso, nessa correria da vida pós-moderna, termos momentos para tecer os retalhos que ficaram guardados em nossa memória e corpo. São muitos os retalhos: alegria, tristeza, desespero, esperança, abandono, acolhida, rancores, desamor e amor...
 
Muitas pessoas infelizes por não saberem tecer os retalhos da vida. Não estão sabendo costurar o que o próprio tecido sugere. Ignoram a realidade e preferem as colchas apenas de uma cor, algumas delas apresentadas pelos mágicos inconsequentes, muitos deles na religião, que apenas visam lucros monetários e poder. Porém, a vida é multicores, colcha de retalhos.
 
Último sábado, 6 de setembro 2014, a contingência da vida nos apresentou mais alguns retalhos. Na BR 101 quatro vidas da mesma família foram ceifadas por causa da violência do trânsito em nosso Brasil. A morte de Deval, Sandra, Maicon e Thaís nos marcou de muitas maneiras. Por isso, ao invés de buscar respostas definitivas, sugiro que sejam construídas colchas que nos ajudarão a viver de maneira abundante a vida.
 
Muitos são os retalhos que deverão ser costurados ao lado daqueles que nos lembram de corpos dilacerados e carbonizados. Os retalhos ruins não serão esquecidos, mas apenas colocados ao lado dos bons ganhando um novo aspecto.
 
Ao lado da tristeza e da ausência, coloquemos os momentos que passamos ao lado deles em oração, nos pequenos grupos, nos festejos, nos encontros, nos abraços e apertos de mãos. A última vez que encontrei com Sandra oramos, choramos e rimos por conta do nascimento de Matheus e do casamento entre Eva e eu tão celebrado por ela. Costurarei a saudade ao lado dos outros retalhos, pois a “saudade é a presença da ausência”, eles sempre estarão vivos dentro de nós de alguma maneira.
 
Portanto, diante da tragédia e do sofrimento o que não podemos perder é a esperança. Retalhos sofridos ou felizes, o nosso destino deve ser um só: a VIDA, uma colcha bem trabalhada pelas mãos do nosso criador. Nunca é tarde para costurar e deixar ser costurados os retalhos de nossa história. Tendo o amor como linha que ligará esses momentos/fragmentos/retalhos teremos uma vida bem vivida.
 
Desesperar ou recomeçar, as únicas possibilidades diante das tragédias. Por Cristo somos convocados a tecer, por causa da capacidade que temos de recomeçar, uma nova etapa da nossa colcha de retalhos.
 
Fábio Porto