quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O vendedor de palavras
Fábio Reynol

Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras. Em um programa de TV, viu uma escritora lamentando que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, "indigência lexical". Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma idéia fantástica. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs.

Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, o dicionário e a cartolina na qual se lia: "Histriônico — apenas R$ 0,50!".

Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinqüenta curiosos parasse e perguntasse.

— O que o senhor está vendendo?

— Palavras, meu senhor. A promoção do dia é histriônico a cinqüenta centavos como diz a placa.

— O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos.

— O senhor sabe o significado de histriônico?

— Não.

— Então o senhor não a tem. Não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de que elas não precisem.

— Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário.

— O senhor tem dicionário em casa?

— Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um.

— O senhor estava indo à biblioteca?

— Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado.

— Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinqüenta centavos de real!

— Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la?

— Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha.

— O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras?

— O senhor conhece Nélida Piñon?

— Não.

— É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui.

— E por que o senhor não vende livros?

— Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo.

— E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem barriga.

— A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado. Olhe aquela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho.

— O senhor não acha muita pretensão? Pegar um...

— Jactância.

— Pegar um livro velho...

— Alfarrábio.

— O senhor me interrompe!

— Profaço.

— Está me enrolando, não é?

— Tergiversando.

— Quanta lenga-lenga...

— Ambages.

— Ambages?

— Pode ser também evasivas.

— Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você!

— Pusilânime.

— O senhor é engraçadinho, não?

— Finalmente chegamos: histriônico!

— Adeus.

— Ei! Vai embora sem pagar?

— Tome seus cinqüenta centavos.

— São três reais e cinqüenta.

— Como é?

— Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço.

— Mas oito palavras seriam quatro reais, certo?

— É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende?

— Tem troco para cinco?

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Uma nova poesia


 
No mundo marcado pela desesperança, angústia, falta de amor; onde para muitos a vida é apenas uma sucessão de dias sem sentido e sem graça, porque só conseguem visualizar o caos e a desgraça. Em um ambiente assim é preciso dar ênfase à Palavra de Deus, que nos fala de forma poética sobre seus caminhos. O salmista no capítulo 25:4 diz: “faze-me saber os teus caminhos, Senhor; ensina-me as tuas veredas”. A Bíblia, de gênesis a apocalipse, está recheada de poesia. Percebemos claramente que a linguagem escolhida por Deus para falar a seu povo, é a linguagem poética. Os salmos é o livro que mostra o relacionamento de Deus com seu povo e a vida sendo cantada e recitada por belos versos.

Os textos sagrados regam e iluminam os corações secos e em trevas, mostrando que para a escuridão da vida há uma luz que brilha e para a sequidão do ser há uma água viva: Jesus Cristo.

O mestre Jesus nos ensinou a olhar para a vida de forma diferente. Não mais o desespero de uma vida vazia e sem sentido, mas sim, um novo viver pautado na beleza do grande amor de Deus. Nesse período de enchentes e terrorismos, de irresponsabilidade governamental e cidadania passiva, de corações e vidas embrutecidas, precisamos com urgência de poesia.  E assim como Cristo, o Poeta da Vida, saibamos olhar para os lírios do campo e as aves dos céus, glorificando a Deus pela beleza da sua criação. Da mesma forma que ao vivenciarmos o evangelho, façamos da nossa vida uma linda poesia escrita pelo próprio Deus.

“Nos lábios dos horizontes há um riso de luz... é Deus” Castro Alves

Fábio Porto 

sábado, 24 de outubro de 2015


O Reino de Deus chegou!!!


Há aproximadamente dois mil anos Deus iniciou, aqui na terra, a implantação do seu Reino através de Jesus Cristo. Jesus disse que o Reino havia chegado e que os discípulos deveriam anunciar ao mundo essa boa nova, esse Evangelho.

É bom lembrar que esse tema foi mal compreendido pelos discípulos da época do Mestre e, infelizmente, ainda hoje muitos confundem o seu real sentido. Os discípulos ao ouvirem Jesus falar a palavra Reino (basiléia) pensavam na estrutura política vigente, ou seja, visualizavam o Império Romano. Os ouvintes de Jesus conheciam reinos e viviam neles, por exemplo: o reino de Herodes e o reino de Roma. Portanto, sonhavam em reinar da mesma forma que César e os imperadores. Jesus, porém decepcionou aqueles que pensavam em dominar o mundo. Não entenderam quando Jesus dizia que o seu Reino não era desse mundo, pois a sua base estava fundamentada no amor.

É imperativo aos cristãos o anuncio do Reino de Deus a esse mundo tão marcado pelo reino do egoísmo, da corrupção, da insensibilidade, da mentira, da falta de esperança, enfim, o reino da negação do amor. É nesse mundo que a Palavra de Deus deve ser pregada, caso contrário, estaremos contribuindo para a manutenção desse caos estabelecido pelo pecado.

Se o Reino de Deus está no nosso meio através do Espírito Santo não poderemos deixar de viver esse Reino em nossos relacionamentos. Não poderemos, se o Reino de Deus estiver em nosso meio, colocar no inferno um pastor que tem uma leitura teológica a respeito das questões escatológicas diferente dos teólogos neo-ortodoxos que acham que podem defender Deus (como se Deus precisasse de defesa) condenando os outros que pensam diferentemente.

Se o Reino de Deus está no nosso meio temos que pregar contra as mazelas que assolam a humanidade. Temos que saber nessa caminhada de discípulos de Cristo diferenciar o pecado, do pecador. Precisamos aprender a ser anunciadores do Evangelho do amor e não juízes do mundo em decadência.

Porque o Reino de Deus está no nosso meio, os “defensores” da tradição deveriam levantar suas vozes contra os políticos corruptos, os pregadores mercenários vendedores de ilusão, os promotores da violência e das drogas, o sistema capitalista que gera a pobreza de milhares de pessoas e de tudo aquilo que acaba com a dignidade humana. No entanto, apenas os discípulos assumem esse estilo de vida e vão até o fim amando as pessoas como Jesus amou.

O Reino de Deus é justiça, paz, esperança e amor. Temos em Cristo a inspiração para uma vida diferente, moldada pelas virtudes do Reino. Disse Jesus: “o Reino de Deus está no meio de vós”. (Mateus 12)
 
Fábio Porto
 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015


Lendo “Renovando todas as coisas” de Nouwen fui desafiado a repensar minha concepção de comunidade que nos convida à vida espiritual. A importância dessa releitura vai ao sentido de que é na vivência de uma comunidade que nos transformamos em pessoas. Ser gente feita à imagem e semelhança de Jesus de Nazaré.  

Comunidade tem muito pouco a ver com compatibilidade. Semelhanças de formação educacional, estrutura psicológica ou status social podem nos aproximar uns dos outros, mas nunca poderão ser a base de uma comunidade. A comunidade baseia-se em Deus, que nos convida a nos reunirmos e não na atração das pessoas entre si.

“Existem muitos grupos que se formaram para proteger seus próprios interesses, para defender seu próprio status ou promover suas próprias causas, mas nenhum deles é uma comunidade cristã.”

Em vez de derrubarem muros do medo e criarem um novo espaço para Deus, eles se fecham aos intrusos, sejam eles reais ou imaginários. O ministério da comunidade está precisamente em que ela abraça todas as pessoas, sejam quais forem as suas diferenças individuais, e permite que elas vivam juntas como irmãos e irmãs de Cristo e filhos e filhas do seu Pai celestial.

Que o Pai nos ajude a entender o verdadeiro sentido de comunidade existente na Trindade.

Fábio Porto

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Ano novo, questões eternas

Observando alguns textos bíblicos percebemos Deus formulando questões e não respondendo-as. Jean Yves Leloup afirma que “Deus é a questão para as nossas respostas e não respostas para as nossas questões”. Deus nos pergunta: “Onde estás?”
Diante desse mundo cada vez mais pragmático e cibernético, a falta de respostas concretas e prontas deixam cada vez mais corações angustiados e sem rumo.
Para o ano novo o que se busca é a felicidade e suas variáveis. No entanto, acabamos por nos esquecer de que a felicidade é consequência e não objetivo. Gosto do caminho apontado por Leloup, pois nos coloca no plano real, onde a vida deve ser vivida, e não nesse plano da inconsciência cada dia mais crescente entre os que não querem encarar as questões eternas que acompanham a humanidade:
Felicidade é reencontrarmos em nós a capacidade para amar, porque tudo o que fazemos sem amor é tempo perdido, é feito em má hora, é uma infelicidade... Enquanto tudo o que fazemos com amor é a eternidade reencontrada, a boa hora reencontrada.
Assim sendo, acredito que para questões eternas, saber qual o nosso lugar (existencial), necessitamos de aprender e apreender a “boa hora” para as nossas ações e repouso. De outro modo, seremos infelizes buscando a felicidade, pois identificaremos a felicidade com os objetos do nosso desejo que acreditamos ser a própria felicidade.
Cristo nos orienta a buscarmos o Reino em primeiro lugar e o resto nos será dado por acréscimo. Em outras palavras, a felicidade é justamente o que nos é dado por acréscimo. É viver o ser Supremo. É reencontrar o Ser e então a própria felicidade estará presente.
Um ano novo chegará quando descobrirmos a felicidade de uma consciência que transforma tudo o que lhe acontece em ocasião de crescimento, em momento de evolução. “Onde estás?”
Feliz ano novo!!!
Fábio Porto



NATALIZAR


São misteriosas as forças que concorrem para afirmar a frágil vida humana em meio a tudo que afeta o planeta e a sobrevivência dos seus habitantes. 

Superando debilidades internas e barreiras externas a vida segue seu curso e amplia sua complexidade. Para além da sobrevivência, convida a elaborar sentidos pessoais, fugir de generalizações e a aventurar em originalidade e esperança. 

Há quem queira se realizar reproduzindo padrões conhecidos e evitando riscos, e que prefira criar, sonhar e projetar-se no futuro. Quem abdica dos sonhos ou se fecha aos desafios do futuro, perde parte de sua humanidade e empurra a vida pelo beco da desesperança. 

Viver remete à abertura para múltiplas possibilidades, embora inclua realmente o risco de tropeçar em frustrações. Prossegue quem em algum lugar de si aspira a posse plena do resultado da extraordinária mistura de barro com o fôlego da vida.

Natalizar a vida é afirmar corajosamente o desejo de apropriar-se, em esperança, de tudo que há para ser, e que ainda não se manifestou em plenitude, mas impulsiona a avançar rumo à plena expressão da humanidade.

O Natal foi o mais discreto e marcante sinal da graça divina. É uma celebração que se repete, porque a vida é assim: precisa ser constantemente renovada. 

Natalizar é um convite a acolher o que há gracioso em nós e, em solidariedade, apoiar a realização das feições criativas do humano que ainda não se encarnaram na vida de outros. 

O Natal lembra o que há de singelo e misterioso em meio à trama da vida, mesmo quando se apresenta sob formas inesperadas, como a de uma frágil criança cercada de animais.

Amauri Munguba Cardoso
Natal de 2014