terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Masoquismo e sadismo: um “evangelho”


Não precisamos imprimir um grande esforço para percebermos a grande distância entre a prática do Evangelho proposto por Jesus e a prática de muitas Igrejas que se autodenominam Cristãs.
Em lugar da fraternidade e do amor mútuo, encontramos autoritarismo e indiferença moldando as relações eclesiásticas. Essa conduta pode ser observada em vários locais - com suas devidas exceções - nos tradicionais, nos renovados, nos pentecostais, nos neopentecostais, nos ortodoxos, nos progressistas, e etc. Desta forma, percebemos que a proposta de Cristo em relação à liberdade que Ele veio trazer para as pessoas, como Boa Nova do Reino de Deus, fica comprometida. A integridade do ser humano nos moldes desse “evangelho” desaparece trazendo insegurança e um vazio existencial profundo.
Diante do vazio e da insegurança que em geral vive nossa sociedade, e com ela a Igreja, cresce o desejo de dominar e de ser dominado, ainda que esse sentimento seja confuso para algumas pessoas. Entretanto, sabemos dá existência de pessoas que tiram proveito dessa situação, e o que é pior, essas são muitas vezes líderes que influenciam outras pessoas, e fazem delas dependentes e/ou sem autonomia para gerir sua própria existência enquanto ser humano feito a imagem e semelhança de Deus, portanto amadas e amáveis.
Fazendo uma breve análise do significado do masoquismo, perceberemos que é uma conduta onde a pessoa foge ao insuportável sentimento de isolamento e separação tornando-se parte e porção de outra pessoa, que a dirige, guia, protege. Em outras palavras, a pessoa masoquista não tem de tomar decisões, não precisa assumir quaisquer riscos. Como diz Erich Fromm “não é independente; não tem integridade; ainda não nasceu de todo”. Por outro lado, a pessoa sadista é aquela que ordena, explora, fere, humilha. Contudo, um sádico depende tanto da pessoa submissa quanto esta daquela; uma não pode viver sem a outra.
Em uma relação entre masoquistas e sádicos a integridade de ambos está afetada. Assim sendo, o mundo não será o mundo da fraternidade, do cuidado, da responsabilidade e do amor, por que essas práticas não têm espaços no mundo da opressão onde habitam dominadores e dominados.
Por uma simples analogia percebemos nos tempos hodiernos algumas Igrejas masoquistas com pastores e pastoras sádicos, que proclamam um “evangelho” pautado na submissão e no autoritarismo doentio, onde a ilusão do cumprimento da missão é o combustível que faz mover a máquina destruidora da humanidade. Existem também, Igrejas sadistas com pastores e pastoras masoquistas cantando hinos que pensam louvar a Deus no cumprimento do Evangelho, mas que na verdade proclamam um pseudo-evangelho que não é e não pode ser a Boa Nova de Jesus Cristo, mas sim, o estabelecimento de um reino que visa apenas amenizar o vazio existencial do ser humano, mantendo-o sempre no cativeiro.
É importante que as vozes abafadas por esse sistema cruel não desistam e não parem de anunciar o Evangelho de Cristo. Esse é baseado no amor, que ao contrário do sadismo e do masoquismo, liberta o ser humano do outro e dele mesmo, fazendo com que a integridade da pessoa seja respeitada. É claro que o respeito só é possível se a pessoa alcançou a independência, se puder levantar-se e caminhar sem muletas, sem ter que dominar e explorar qualquer ser humano. O respeito existe na base da liberdade. Como diz a música francesa: “o amor é filho da liberdade”, nunca existirá amor e liberdade no campo da dominação.
O amor, principalmente no Ocidente, precisa sair do âmbito do sentimento e passar para o campo da ação, da prática, do trabalho. O amor e o trabalho/ação são inseparáveis. Portanto, é preciso trabalhar para que a integridade e a liberdade das pessoas sejam de fato uma realidade nas Igrejas e por extensão, na sociedade.
Respeito, responsabilidade, cuidado, liberdade, integridade, desafios para uma Igreja que quer ser relevante e fazer com que o Evangelho do Reino de Deus, Jesus Cristo, amor, seja a base da práxis cristã. Que o único poder que prevaleça nas Igrejas e comunidades seja o poder do serviço, o poder do amor que liberta o ser humano das mazelas que descaracteriza a humanidade do humano.  

Fábio Porto

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

UM SONHO OU PESADELO?


Recentemente sonhei que o mundo havia chegado ao patamar desejado por muitos cristãos, principalmente evangélicos, onde todas as pessoas haviam se tornado cristãs. Na verdade as pessoas tinham aderido ao cristianismo e feito dele um estilo de vida universal.
Entretanto, ao contrário do que muitos imaginam, o mundo cristianizado não se tornou fraterno, justo, igualitário, solidário, amável, enfim, um lugar onde todos e todas se pareceriam com Cristo, o paradoxo de Nazaré. Onde a lógica estabelecida é a do amor e não a do mercado/dinheiro. Essa contradição se deu por conta da uniformidade que destrói a beleza da vida. Dessa maneira, o mundo colorido passou a ter apenas uma cor e o brilho no olhar das pessoas já era raro e, o que é pior, não se via mais o clamor que o rosto da alteridade nos propõe.
Observando um pouco do comportamento do cristianismo nesse sonho, constatamos que o mundo “cristão”, se tornou um mundo sem graça e, acima de tudo, um lugar onde não havia mais espaço para partilhar e compartilhar da Graça que o Pai tem dispensado em favor dos seus filhos e filhas. O acúmulo de riquezas era a maior atividade desenvolvida nesse mundo. Ao lado dessa prática, o orgulho e o ufanismo estavam estampados na face dos cidadãos desse novo espectro de mundo. Percebemos que os habitantes desse ambiente não tinham tempo para cuidar uns dos outros, visto que sua principal missão era cuidar de si mesmos. Nesse sonho o que hoje conhecemos como uma proposta e práxis de cristianismo havia se tornado uma realidade global.
Um mundo onde todos seriam iguais perderia a beleza da diversidade. Esse caos não teria retorno por conta de não existir nenhuma realidade que fosse diferente da vigente. Uma só religião, e essa o cristianismo, trouxe um estilo de vida pouco comprometido com a vida. A beleza das religiões deu lugar à uniformidade que não vê no diferente possibilidade de harmonia, e sim, um potencial adversário a ser derrotado. Nesse onirismo muitos morreram de tédio por que não tinham mais onde jogar bombas ou caçar inimigos invisíveis ou aqueles que têm a sua voz abafada pelo sistema capitalista neoliberal e acima de tudo desumano, selvagem, diabólico. Outros não tinham mais a desculpa de converter ao cristianismo a África e a Ásia, visto que seus produtos e serviços já dominavam esses continentes a partir da “evangelização” efetuada com sucesso. Outros ainda foram tomados por um vazio existencial por não terem mais que fazer missões para cristianizar os pobres e/ou “demonizados” por não pertencerem ao cristianismo. Sem contar que as culturas foram assimiladas ao modelo triunfalista norte-americano com alguns detalhes europeus.
Essa quimera vem nos mostrar que um mundo assim pode se parecer com o cristianismo, mas, nunca se parecerá com Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus. Ao acordar percebi que é necessário que o cristianismo enfraqueça e que os discípulos e discípulas de Jesus Cristo ocupem lugar nos nossos sonhos e utopias, bem como na nossa realidade e no estabelecimento do Reino de Deus entre os seres humanos.

Ufa! Ainda bem que foi só um sonho. Ou foi um pesadelo?


Fábio Porto