terça-feira, 27 de março de 2012

A prosperidade da decepção


Quando, na década de 80, a teologia da prosperidade chegou ao Brasil, ela veio como uma nova tese sobre a fé, prometia o céu aqui para o que tivesse certo tipo de fé. As promessas eram as mais mirabolantes: garantia de saúde a toda prova, riqueza, carros maravilhosos, salários altíssimos, posições de liderança, prosperidade ampla, geral e irrestrita. Lembro-me de, nessa época, ter ouvido de um ferrenho seguidor dessa teologia que, quem tivesse fé poderia, inclusive, negociar com Deus a data de sua morte, afirmava que, na nova condição de fé em que se encontrava, Deus teria de negociar com ele a data de sua partida para mundo dos que aguardam a ressurreição do corpo. Estamos, há cerca de vinte anos convivendo com isso, talvez, por isso, a grande pergunta sobre essa teologia seja: Como têm conseguido permanecer por tanto tempo? A tentação é responder a questão com uma sonora declaração sobre a veracidade desta proposição, ou seja, permanece porque é verdade, quem tem fé tem tudo isso e muito mais. Entretanto, quando se faz uma pesquisa, por mais elementar, o que se constata é que as promessas da teologia da prosperidade não se cumpriram, e, de fato, nem o poderiam, quando as regras da exegese e da hermenêutica são respeitadas, percebe-se: não há respaldo bíblico. Então qual a razão para essa longevidade? 

Em primeiro lugar, a vida longa se sustenta pela criatividade, os pregadores dessa mensagem estão sempre se reinventando, bem fez um de seus mais expoentes pregadores quando passou a chamar seu programa de TV de “Show da Fé”, de fato é um espetáculo ás custas da boa fé do povo. Mesmo os mais discretos estão sempre expondo o povo, em alguns casos, quando mais simplório melhor, em outros, quanto mais bonita, e note-se o feminino, melhor. Além disso, é uma sucessão de invencionices: um dia é passar pela porta x, outro é tocar a trombeta y, ou empunhar a espada z, ou cobrir-se do manto x, e, por aí vai. Isso sem contar o sem número de amuletos ungidos, de águas fluidificadas e de bênçãos especiais. Suas igrejas são verdadeiros movimentos de massa, dirigidos por “pop stars” que tornam amadores os mais respeitados animadores de auditório da TV brasileira. 

Em segundo lugar, a vida longa se mantém pela penitência; os pregadores dessa panacéia descobriram que o povo gosta de pagar pelos benefícios que recebe, algo como “não dever nada a ninguém”, fruto da cultura de penitência amplamente disseminada na igreja romana medieval, aliás, grande causadora da reforma protestante. Tudo nessas igrejas é pago. Ainda que cada movimento financeiro seja chamado de oferta, trata-se, na prática, de pagamento pela benção. Deus foi transformado num gordo e avaro banqueiro que está pronto a repartir as suas benesses para quem pagar bem, assim, o fiel é aquele que paga e o faz pela fé; a oferta, nessas comunidades, é a única prova de fé que alguém pode apresentar. Na idade média, como até hoje, entre os romanos, Deus podia ser pago com sacrifícios, tais como: carregar a cruz por um longo caminho num arremedo da via “crucis”, ou subir de joelhos um número absurdo de degraus, ou, em último caso, acender uma velinha qualquer, não é preciso dizer que a maioria escolhe a vela. Mas, isso é no romanismo! Quem quer prosperidade, cura, promoções, carrões e outros beneplácitos similares tem de pagar em moeda corrente, afinal, dinheiro chama dinheiro, diz a crença popular. E tem de pagar antes de receber e, se não receber não pode reclamar, porque Deus sabe o que faz e, se não liberou a bênção é porque não recebeu o suficiente ou não encontrou a fé meritória. Esses pregadores têm o consumidor ideal. 

Em terceiro lugar são longevos porque justificam o capitalismo, embora, segundo Weber, o capitalismo seja fruto da ética protestante, (aliás, a bem da verdade é preciso que se diga que o capitalismo descrito por Max Weber em seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo” não é, nem de longe, o praticado hoje, que se sustenta no consumismo, enquanto aquele se erguia da poupança, além disso, como sociólogo, Weber tirou uma foto, não fez um filme, suas teses se circunscrevem a sua época e nada mais) a fé, de modo geral, evangélica nunca se deu bem com a riqueza. A chegada, porém, dessa teologia mudou o quadro, o capital está, finalmente, justificado, foi promovido de grilhão que manieta a fé em troféu da mesma. Antes, o que se assenhoreava do capital tornava-se o avaro acumulador egoísta, agora, nessa tese, é o protótipo do ser humano de fé. Antes, o que corria atrás dos bens materiais era um mundano, hoje, para esses palradores, é o que busca o cumprimento das promessas celestiais. Juntamente com o capitalismo, essa mensagem justifica o individualismo, a bênção é para o que tem fé, ela é inalienável e intransferível. Eu soube de uma igreja dessas que, num rasgo de coerência, proibiu qualquer socorro social na comunidade para não premiar os que não tem fé. Assim, quem tem fé tem tudo quem não tem fé não tem nada. Antes, ter fé em Cristo colocava o sujeito na estrada da solidariedade, hoje, nesse tipo de pregação, o coloca no barranco da arrogância. Toda “esperteza” está justificada e incentivada. Não é de estranhar que ética seja um artigo em falta na vida e no “shopping center” de fé desses “ministros”. 

Mas, o que isso tudo tem gerado, de verdade? Decepção, fragorosa decepção é tudo o que está sobrando no frigir dos ovos. As bênçãos mirabolantes não vieram porque Deus nunca as prometeu, e Deus não pode ser manipulado. O sucesso e a riqueza que, porventura, vieram foram mais fruto de manobras “espertalhonas”, para dizer o mínimo, do que resultado de fé. Aliás, para muitos foi ficando claro que o que chamavam de fé, nada mais era do que a ganância que cega, o antigo conto do vigário foi substituído pelo conto do pastor. Gente houve que ficou doente, mas, escondeu; perdeu o emprego, mas, mentiu; acreditou ter recebido a cura, encerrou o tratamento médico e morreu. Um bocado de gente tentando salvar as aparências, tentando defender os seus lideres de suas próprias mentiras e deslizes éticos e morais; um mundo marcado pela esquizofrenia. O individualismo acabou por gerar frieza, solidão e, principalmente, perda de identidade, porque a gente só se torna em comunidade. Tudo isso acontecendo enquanto muitos fiéis observavam o contraste entre si e seus pastores, eles sendo alcançados pela perda de bens, pela angústia de uma fé inoperante, pela perda de entes queridos que julgavam absolutamente curados e os pastores enriquecendo, melhorando sensivelmente o padrão de vida, adquirindo patrimônio digno de nota, sendo contado entre o “jet set”, virando artistas de TV, tudo em nome de um evangelho que diziam ter de ser pregado e que suas novas e portentosas posses avalizavam. 

E onde estão estes decepcionados? E para onde estão indo os seus pares? Muitos estão, literalmente, por aí, perderam aquela fé, mas não acharam a que os apóstolos e profetas da escritura judaico-cristã anunciaram; ouviram o nome Cristo, mas não o encontraram e pararam de procurar. Talvez, estejam perdidos para evangelho; para sempre. Outros, no meio de tudo isso foram achados por Cristo e estão procurando pelo lugar onde ele se encontra. Para os primeiros não há muito que fazer a não ser interceder diante do Eterno, para que se apiede dos que foram vergonhosamente enganados; para os que estão a procura, entretanto, é preciso desenvolver uma pastoral. Eles não estão chegando como chegam os que estão em processo de reconhecimento de Deus e do seu Cristo. Estão batendo às portas das comunidades que julgam sérias com a Bíblia a procura de cura para a sua fé, para a sua forma de ser crente, para a sua esperança de salvação, para a sua falta de comunidade e para a sua confusão doutrinária. Precisam, finalmente, ver a Jesus Cristo e a si mesmos; precisam, em meio a tanta desinformação encontrar o ensino, em meio a tanto engano recuperar a esperança. Necessitam de comunidade e de identidade, de abraço e de paciência, de paz e de alento, de fraternidade e de exemplo, de doutrina e de vida abundante. Quem quer que há de recebê-los terá de preparar-se para tanto, mesmo porque, ainda que certos da confusão a que foram expostos, a cultura que trazem é a única que têm e, nos momentos de crise, de qualquer natureza, será a partir desta que reagirão, até que o discipulado bíblico construa, com o tempo, uma nova e saudável cultura.   

Hoje, para além de tudo o que encerra a sua missão, a Igreja tem de corrigir os erros que, em seu nome, e, em muitos casos, sob a sua silenciosa conivência, foram e, ainda, estão sendo cometidos. 
Ariovaldo Ramos

segunda-feira, 19 de março de 2012

O cristianismo e as religiões



Os discípulos foram enviados pelo próprio Cristo a anunciar o Evangelho a todas as pessoas do mundo. Isso quer dizer que a Boa Nova deve alcançar a todos que tenham ou não religião. Vale lembrar que o evangelho está para além das religiões. Há muitos séculos grande parte dos seres humanos pertence a alguma das grandes religiões mundiais. Será que a mensagem que Jesus solicitou que fosse levada chegou a esses povos? E mesmo que tenha chegado essa boa nova foi entendida? O que é de fato essa boa nova?

Observando a história das missões percebemos que não há mais a possibilidade de repetir o método que foi usado pelos missionários cristãos. A superioridade material ou cultural em relação ao diferente foi um erro terrível no anúncio do Evangelho. Essa postura mostra apenas uma relação de poder e não a relação de amor que é a proposta do Evangelho de Cristo.

O catolicismo tradicional pregou durante muito tempo que apenas se salvariam aqueles que pertencessem à Igreja Católica cumprindo toda a sua doutrina. Por outro lado os protestantes diziam que somente nos seus redutos a salvação se processaria. Os dois seguimentos colocam no inferno os que não aceitam a sua doutrina. Essa postura mostra apenas a arrogância que católicos e protestantes trazem nas suas estruturas quem visam salvar o mundo. É a altivez do poder em detrimento ao anúncio do Evangelho do serviço, do amor.

Muitos missionários no afã de salvar as pessoas do inferno eterno rezavam a cartilha de uma instituição que apenas queria e quer poder. Ao invés de representar Jesus de Nazaré representavam um sistema que está baseado no poder material construído ao logo da história pela cristandade. O fim de todo propósito era manter o poder. E poder cega as pessoas. Os poderosos não têm mais sensibilidade para com a alteridade. Se o poder da instituição é divino tudo é admitido e legalizado. O teólogo José Comblin dizia que “as pessoas podem ter uma consciência individual muito humilde e ser arrogantes no seu comportamento social. Em nome de Deus tudo é permitido, todos os abusos são legitimados”.  A história das religiões mostra que essa era a postura a ser tomada com o apoio dos impérios.

O encontro dos missionários com as religiões mostrou que o objetivo era fazer proselitismo e o meio mais comum era batizar os povos ditos pagãos. O importante era salvar as almas do inferno. O batismo sempre foi mais importante do que a evangelização proposta por Cristo e, o evangelizar era ensinar as doutrinas. Para os cristãos, até o século XX as outras religiões não tinham nada que prestasse, ou melhor, era coisa do demônio para atrapalhar o Reino de Deus, e muito menos elas poderiam ensinar alguma coisa aos cristãos. Sempre a superioridade/poder era o parâmetro para avaliar o pluralismo religioso.

A partir desse período a compreensão teológica, em linhas gerais, mudou em relação à salvação dos povos ditos pagãos. Passou-se a reconhecer que eles tinham algum valor e que poderiam fazer boas obras, mas que sua religião era errada e, portanto, deveriam deixá-la por conta de sua nova vida com Cristo. Os pagãos não eram mais passivos na salvação, mas deveriam negar tudo que existe na sua religião. Fica claro que a mudança foi muito tímida no que consiste o cerne do diálogo no pluralismo religioso. O enfraquecimento dos impérios forçou uma mudança de postura na forma de se fazer missões.

O cristianismo tem dificuldades de dialogar com outras religiões porque ele se achar superior. O cristianismo ainda não aprendeu a dialogar com as diversas vertentes que compõe o mundo cristão e muito menos com os que não são cristãos. Porque o diálogo mostra que os dois têm condições de aprender mutuamente. O problema é que o cristianismo pensa saber tudo sobre a vida e sobre Deus e dessa forma não tem nada a aprender com o diferente. Ao contrário do que muitos pensam, conhecer o diferente fortalece ainda mais o conhecimento de si mesmo. Portanto, a falta de conhecimento do que é Evangelizar leva a falta de diálogo com as religiões e, com isso, instala-se o uso do poder e da superioridade que gera ódio e má notícia ao invés do amor e Evangelização.

De que maneira podemos imaginar o relacionamento entre cada religião e a missão cristã? Cremos que ainda é possível Evangelizar sem excluir ou destruir as culturas e as religiões do mundo. Para isso é preciso o autoconhecimento. Os tempos hodiernos obrigam os cristãos a voltar sobre si mesmos para aprender e descobrir o que é o cristianismo e o que é a evangelização da humanidade. Evangelizar é anunciar a Boa Nova como algo que corrobora na religião e na cultura do outro que consiste na transformação do homem e da mulher em humanos.

Sabemos que os passos dados em direção ao diálogo e ao respeito ao diferente são ainda tímidos. Contudo, já se ouve vozes em prol dessa tarefa que não é fácil, mas necessária no processo de evangelização do mundo e, que precisam ser engrossadas as fileiras desse coral que canta a diversidade e o pluralismo como algo possível.
Fábio Porto

segunda-feira, 5 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher - Parabéns!

Mulher...

        Desde o século passado o dia 08 de março nos remete a uma reflexão sobre a mulher. Pela história da mulher na sociedade podemos afirmar que esse dia é um dia cheio de paradoxos. Por que ao mesmo tempo em que comemoramos a libertação da mulher do cativeiro sustentado pelos machistas, choramos por aquelas que deram suas vidas para que a mulher fosse respeitada e tivesse assegurada sua dignidade. O nosso pesar é por causa daquele dia fatídico no ano de 1857, em Nova York, onde aproximadamente 129 mulheres foram carbonizadas no interior de uma fábrica porque reclamaram da carga horária de 16 horas de trabalho.

        Louvamos a Deus pelas Marias, Anas, Joanas e todas que mostram com suas vidas que poderemos construir um mundo diferente, onde não haja discriminação, violência, ódio e tudo aquilo que descaracteriza o ser humano. Que o choro das mães seja apenas de alegria por segurarem em seus braços o fruto que foi gerado pelo amor. Mulher, mãe, irmã, amiga, namorada, esposa... Expressões do amor de Deus.

        Difícil é definir uma mulher em palavras, mas fácil é perceber seu valor diante da vida. Assim, as mulheres dignas de ontem vivem e viverão hoje e amanhã como mulheres de energia, de ideais, de influência, de execução, de capacidade e consagração. Deus abençoe cada uma.

“Uma mulher exemplar... Reveste-se de força e dignidade; Fala com sabedoria e ensina com amor”. Pv 31:1;25-26
Fábio Porto