domingo, 17 de fevereiro de 2013

A igreja dos amigos de Jó



O drama de Jó tem muito a nos ensinar, pois a cada dia grassa nas igrejas o que chamamos de teologia da retribuição. Essa teologia tem suas bases no dualismo, onde forças diametralmente opostas estão mostrando o que cada uma tem de mais poderoso para vencer a guerra. Em outras palavras, Deus e o diabo se exibindo para mostrar quem é mais forte.

No livro de Jó temos alguns personagens que deixa claro qual a sua teologia. Deus coloca o amor como base da sua relação com Jó. Satanás faz o papel de acusador dizendo que ninguém ama a Deus se não receber nada em troca. Jó é aquele que vive com Deus e assume todas as coisas que lhe acontecem como sendo vindas de Deus. Os amigos de Jó acreditam que o mal vem por causa da vida de pecado de Jó.

Mesmo Deus testemunhando a favor de Jó, Satanás vem colocar em dúvida essa integridade tirando o foco do relacionamento gratuito de Deus com Jó e colocando os holofotes na categoria do poder. 

Os amigos de Jó não perceberam que o centro da guerra espiritual se dá na arena do conflito relacional e afetivo, e não na do poder. Eles se esqueceram de que Deus é todo poderoso e não há ninguém que possa disputar com Ele. Quando os amigos de Jó entram em cena para lembrar a lei da retribuição, eles não se deram conta de que estavam fazendo o mesmo jogo de Satanás. O alvo das acusações é o relacionamento de Deus com o ser humano.

Deus em resposta ao desafio proposto por Satanás aposta no poder do amor, do relacionamento que existe por causa do afeto e não por causa das bênçãos. Segundo Ricardo Barbosa “esse, por natureza, é um poder frágil, cuja força está em cativar o coração e obter deste uma resposta igualmente afetiva e amorosa”.

Na igreja dos amigos de Jó existe uma compreensão de guerra espiritual na perspectiva de duas forças que se digladiam buscando provar quem é o maior e o mais forte. No entanto, para Jó, é um conflito entre Deus que ama gratuitamente e incondicionalmente, e Satanás, que usa de recursos que tentam desestabilizar esse relacionamento na tentativa de impossibilitar esse amor.

Acredito que na maioria de nossas igrejas perdemos a percepção de Jó e passamos a lutar com as armas de Satanás quando abraçamos o dualismo e transformamos a guerra espiritual em uma disputa pelo poder. Na disputa pelo poder, seja ela qual for, Satanás sempre será o vitorioso.

Parece que o pensamento dos amigos de Jó a cada dia está se renovando e se reinventando nas pregações, nas músicas, nos relacionamentos interpessoais e nos projetos de crescimento de igrejas. Fica claro quando os amigos de Jó entram em cena, pois o argumento do poder é logo evocado.

Entretanto, essa teologia reforça o argumento de Satanás. Para eles, a lógica é simples: Deus abençoa o justo e pune o pecador. Se Jó está sofrendo, é porque pecou. Então ele deveria buscar a Deus para perdão dos seus pecados e restituição do que havia perdido. Fica evidente que nessa forma de ser igreja deveremos buscar a Deus não por causa de Deus, mas por causa de nós mesmos. Nós somos a razão da nossa fé e o objeto do nosso amor. 

Ainda bem que Jó não disse “o Senhor deu e Satanás tomou, agora devo amarrar e reivindicar o que me foi tirado”, pelo contrario em meio ao caos disse “o Senhor deu, o Senhor tomou, bendito seja o nome do Senhor”.

Na igreja dos amigos de Jó não há espaço para o silêncio de Deus. No drama de Jó o silêncio de Deus não era o da indiferença, mas o da oração e da intercessão. Da mesma forma que Jesus disse que iria orar por Pedro quando Satanás disse que queria peneirá-lo (Lc 22. 31-32). O silêncio é quebrado quando respondemos que nosso coração continua sendo de Deus independente das circunstâncias.

A confirmação do amor que temos por Deus é a resposta final de toda batalha espiritual. Os amigos de Jó precisam se lembrar de que luta espiritual não se trata de disputa pelo poder entre o bem e o mal (maniqueísmo). Essa luta já fora vencida por Jesus quando ele disse: “é me dado todo poder no céu e na terra”. A razão da guerra espiritual é demonstrar a quem nosso coração pertence.

Que não percamos de vista o verdadeiro sentido da luta espiritual que é o de nos transformar, transformar nossos conceitos, valores e teologia que tentam enquadrar Deus nos esquemas malignos do poder. Nossa vocação é para subir ao calvário, para sofrer todas as implicações do amor e do serviço e não deixar que as insinuações do maligno nos desviem na caminhada de implantação do Reino de Deus.

Sendo assim, permaneceremos sempre do lado de quem é e sempre será o vencedor, Jesus o Cristo de Deus.

Fábio Porto

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